quinta-feira, 3 de setembro de 2015

EDITORIAL: Aniversário, nariz de Pinóquio e vidro quebrado


Por Graça Melo - 03/09/2015
Quem completa 11 anos é o Jardim Botânico. Como menina moça desprezada, não comemora. Ao invés de festa, resolveu sentar na calçada, denunciar o abandono e contar uma história: Aniversário, Nariz de Pinóquio e Vidro Quebrado.
Quem registrou a história da menina sentada na calçada foi a grande imprensa. A garota, que fez 11 anos no dia 1º de setembro, contou a história de Seu Gilmar, dono de comércio situado na Estrada do Sol que, em 16 anos de atividade, já sofreu 33 assaltos a mão armada, acumulou um prejuízo de mais de 200 mil reais e alguns sustos, como o de ficar refém de bandidos. ANIVERSÁRIO.

A matéria apareceu na TV e o comando da Polícia Militar se manifestou, quando procurada pelo canal de televisão. Afirmou que está sempre fazendo a ronda. NARIZ DE PINÓQUIO.

A matéria mostrou a falta de infraestrutura da Estrada do Sol. A menina aniversariante quase morre de vergonha. As TVs mostraram matagais, o comércio com o piso aos pedaços, a bagunça institucionalizada e, finalmente, o inominável: um ponto de ônibus que tem uma cerca que separa o local dos cidadãos que precisam pegar o ônibus. VIDRO QUEBRADO.

Perguntaram para a menina o que significava vidro quebrado nessa história. Então, ela contou que, muito antes dela nascer, lá pelos idos da década de 70, fizeram uma experiência em Nova Iorque. Abandonaram um carro em um local de baixa periculosidade. Passaram-se os dias e nada acontecia com o carro. Então, a equipe de pesquisa providenciou a quebra de um dos vidros do carro, um bem pequeno. Um dia depois o carro havia sido completamente depenado. Moral da história: qualquer tema é uma questão de comportamento. O abandono seguido de gestos depreciativos funciona como senha para a depredação total.

A menina (lembrando que a menina se chama Jardim Botânico) então contou aos repórteres sobre os vidros quebrados da região que faz 11 anos. Ao abandonar o bairro e soltar sucessivos gestos de depreciação, o governo quebrou o vidro. E estão depenando o bairro.

Quando a polícia militar quer extinguir o posto, ela quebra o vidro. Quando o governo extingue a administração, ele quebra o vidro. Quando fatiaram as terras e nada acontece, quebra-se o vidro. Quando o Seu Gilmar foi assaltado a primeira vez e nada foi feito, quebrou-se o vidro. 

E quando eles mentem para minimizar os efeitos dos próprios atos, é o nariz de Pinóquio que cresce. A menina conta que está enrolada no nariz de Pinóquio. O nariz cresceu tanto que entortou e se enfiou pela Estrada do Sol. E ninguém mais sabe dizer onde está a ponta do nariz. 

E foi assim que o Jardim Botânico, a menina moça de Brasília, passou seu aniversário. Entre o nariz enrolado das mentiras e o vidro quebrado do abandono.

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